Artigo: Possibilidade
de Cumulação do Adicional de Insalubridade com Periculosidade
Artigo escrito
por Thiago Loures M. M. Monteiro, advogado inscrito na OAB-MG pelo nº 146.402.
Introdução
“Ordem e Progresso”, o lema da
bandeira nacional reflete um conflito de difícil solução, qual seja: até que
ponto a sociedade pode buscar pelo progresso, sem que coloque em risco o bem
jurídico mais importante: a vida.
Apesar de inúmeros avanços tecnológicos,
certos ofícios continuam refletindo um enorme risco a saúde e vida do
trabalhador. Antes de adentrarmos na discussão central do presente artigo, é
importante conceituar os dois adicionais que serão tratados, transcrevendo suas
respectivas previsões legais, para que o leitor possa compreender seus
diferentes conceitos.
Primeiramente, o adicional de
insalubridade, está previsto no artigo 192 da CLT, e regulamentado pela Norma
Regulamentadora nº 15 (NR 15) do Ministério do Trabalho. O referido artigo da
CLT traz a previsão legal do adicional, enquanto que a NR 15 especifica quais
atividades são insalubres, e qual o seu respectivo grau.
Art . 192 - O exercício de trabalho em condições
insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do
Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta
por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-mínimo da
região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.
Já o adicional de periculosidade,
está previsto no artigo 193 da CLT, e regulamentado pela Norma Regulamentadora
nº 16 (NR 16) do Ministério do Trabalho.
Art. 193. São consideradas atividades ou operações
perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco
acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador
a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia
elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física
nas atividades profissionais de segurança pessoal ou
patrimonial.
Importante Ressaltar que tais
adicionais têm previsão anterior a Constituição, mas foram recepcionados expressamente
por ela, como direito básico do trabalhador, especificamente no artigo 7º
inciso XXII da Constituição Federal de 1988.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIII - adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
Argumentos Contrários à cumulação
Dentre os argumentos contrários à
cumulação, se destacam os de ordem técnica processual, uma vez que em tese é
possível se imaginar um trabalho que simultaneamente exponha um trabalhador em
condições insalubres, e ainda que seja um trabalho perigoso, o que pela lógica
permitiria a cumulação.
Quanto ao argumento de direito
material, que é o mais frágil desta corrente, defende que a cumulação dos
adicionais representaria um enriquecimento sem causa do trabalhador, que já tem
o direito de escolher o adicional mais vantajoso economicamente, nos termos do
§2º do artigo 193 da CLT.
Já o argumento técnico
processual, amparado no Princípio da Legalidade, é de que a lei prevê claramente
que é proibida a cumulação dos adicionais, nos termos do §2º do artigo 193 da
CLT, e ainda no item 15.3 da NR-15 da portaria do Ministério do Trabalho nº
3.214/782.
Art. 193. São consideradas atividades ou operações
perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco
acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador
a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia
elétrica;
II - roubos
ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de
segurança pessoal ou patrimonial.
§ 1º - O trabalho em condições de periculosidade assegura
ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem os
acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da
empresa.
§ 2º - O empregado poderá
optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido.
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros
da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo
coletivo.
NR 15-
15.3 No caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa.
Além das vedações taxativas, o
artigo 7º inciso XXI da Constituição Federal, prevê quais adicionais serão
concedidos, utilizando o conectivo “ou”, o que para a corrente majoritária,
reflete implicitamente uma vedação para a hipótese de cumulação dos adicionais.
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIII - adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei;
É importante ressaltar, desde já,
que atualmente, o posicionamento majoritário da doutrina e na jurisprudência, é
pela impossibilidade de cumulação dos adicionais de periculosidade e
insalubridade, como se vê nos julgado abaixo do TST:
RECURSO DE REVISTA. CUMULAÇÃO. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE.
IMPOSSIBILIDADE. Não se vislumbra afronta direta e literal do art. 7.º, XXIII,
da Constituição Federal, uma vez que o aludido dispositivo constitucional
estabelece o direito aos adicionais de periculosidade, insalubridade -na forma
da lei-. No caso, como escorreitamente decidido pelo Regional, é o disposto no
§ 2.º do art. 193. E o aludido dispositivo celetista veda a cumulação dos
adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado
fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes desta Corte no mesmo
sentido. Recurso de Revista não conhecido.(TST - RR: 1360003720095040751 136000-37.2009.5.04.0751, Relator: Maria de
Assis Calsing, Data de Julgamento: 22/05/2013, 4ª Turma, Data de Publicação:
DEJT 24/05/2013)
RECURSO DE REVISTA. ADICIONAL DE
PERICULOSIDADE E INSALUBRIDADE. CUMULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. O § 2º do artigo 193 da CLT assegura ao
empregado a possibilidade de optar, caso a função desempenhada seja
concomitantemente insalubre e perigosa, pelo adicional que lhe seja mais
vantajoso, a saber: o de periculosidade ou insalubridade. Assim, o egrégio
Tribunal Regional, ao decidir pela possibilidade de cumulação dos dois
adicionais, violou o artigo 193, § 2º, da CLT. Recurso de revista conhecido
e provido.(TST - RR: 13956020115120041
1395-60.2011.5.12.0041, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data
de Julgamento: 15/05/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013)
Argumentos Favoráveis a Cumulação
Aos que defendem a possibilidade
e o dever de se cumular os referidos adicionais, existem argumentos tanto de
ordem material quanto de ordem técnica processual.
Por evidente, que os argumentos
de direito material dizem respeito à proteção a saúde e a vida dos
trabalhadores, ressaltando ainda que se tratam de dois adicionais distintos, com
hipóteses de incidência e efeitos pecuniários diversos, como vemos nas palavras
de Fernando Formulo:
No caso, se optar pelo adicional de
periculosidade, estará trabalhando em condições insalubres “de graça”, ou seja,
sem nenhuma compensação pecuniária, e vice-versa do caso de optar pelo
adicional de insalubridade (caso em que o labor em condições perigosas será
prestado sem nenhuma compensação pecuniária), ao arrepio da Constituição e
sujeitando-se a manifesto desequilíbrio e desvantagens na relação contratual,
comprometida que fica, em rigor, a equivalência das prestações dos sujeitos
contratantes.
Quanto aos argumentos técnicos,
essa corrente tem duas teses centrais, a primeira diz respeito à
inconstitucionalidade da vedação legal, uma vez que a Constituição de 1988, no
seu artigo 7º inciso XXII, não faz menção expressa a vedação, e segundo essa
corrente isto demonstra que a Constituição não recepcionou o § 2º do artigo 193
da CLT, que é de 1977.
Como já demonstrado no tópico acima,
o entendimento majoritário é de que a Constituição recepcionou a vedação de
forma implícita. Contudo é importante ressaltar que o caput do artigo 7º da Constituição, apregoa que em seus incisos
estão listados direitos do trabalhador, sendo no mínimo contraditória uma
interpretação restritiva de direitos do trabalhador, com base em um de seus
incisos, ainda mais de forma implícita.
A segunda tese, e que vem sido
acolhida em Tribunais Regionais do Trabalho, é baseada em Direito Internacional
do Trabalho, posto que o Brasil já ratificou a convenção nº 155 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT), que em seu artigo 11 alínea “b”, aplicando-se uma
interpretação de proteção a saúde do trabalhador, que é totalmente coerente com
o arcabouço jus trabalhista, revoga a vedação prevista no § 2º do artigo 193 da CLT, que é de 1977.
Convenção 155 OIT
Art.11. [...]
b) a determinação
das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à
autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como
a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição
no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da
autoridade ou autoridades competentes; deverão
ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição
simultânea a diversas substâncias ou agentes;
Nesta linha interpretativa Jorge Luiz Souto
Maior assim defende a possibilidade de cumulação dos adicionais:
2. Acumulação de
adicionais: como o princípio é o da proteção do ser humano, consubstanciado,
por exemplo, na diminuição dos riscos inerentes ao trabalho, não há o menor
sentido continuar-se dizendo que o pagamento de um adicional ‘quita’ a
obrigação quanto ao pagamento de outro adicional. Se um trabalhador trabalha em
condição insalubre, por exemplo, ruído, a obrigação do empregador de pagar o
respectivo adicional de insalubridade não se elimina pelo fato de já ter este
mesmo empregador pago ao empregado adicional de periculosidade pelo risco de
vida a que o impôs. Da mesma forma, o pagamento
pelo dano à saúde, por exemplo, perda auditiva, nada tem a ver com o dano
provocado, por exemplo, pela radiação. Em suma, para cada elemento insalubre é
devido um adicional, que, por óbvio, acumula-se com o adicional de
periculosidade, eventualmente devido. Assim, dispõe, aliás, a Convenção nº 155,
da OIT, ratificada pelo Brasil.
No mesmo
sentido, Sebastião Geraldo de Oliveira defende a revogação do §2º do artigo 193
da CLT, em razão da convenção nº 155 da OIT:
Discute-se, também,
a possibilidade de cumulação do adicional de insalubridade com o de
periculosidade. Pelas mesmas razões expostas, somos também favoráveis.
Aponta-se, como obstáculo à soma dos dois adicionais, a previsão contida do
art. 193, § 2º, da CLT: "O empregado poderá optar pelo adicional de
insalubridade que porventura lhe seja devido". O dispositivo legal indica que os dois adicionais são incompatíveis,
podendo o empregado optar por aquele que lhe for mais favorável. Entretanto,
após a ratificação e vigência nacional da Convenção nº 155 da OIT, esse
parágrafo foi revogado, diante da determinação de que sejam considerados os
riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias
ou agentes (art. 11, b).
Ressaltando que tal tese vem
ganhando força, e o Ministro Mauricio
Godinho Delgado, do TST, já manifestou seu entendimento favorável à mesma,
conforme se vê no julgado abaixo, no qual o mesmo foi relator, ressaltando que
seu voto foi vencido no caso concreto, mas sem dúvida evidencia a robustez da
tese:
RECURSO DE REVISTA. ADICIONAIS DE
INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. PAGAMENTO NÃO CUMULATÓRIO. OPÇÃO POR UM DOS
ADICIONAIS. Ressalvado o entendimento deste Relator, o fato é que, segundo a
jurisprudência dominante nesta Corte, é válida a regra do art. 193, § 2º, da
CLT, que dispõe sobre a não cumulação entre os adicionais de periculosidade e de
insalubridade, cabendo a opção pelo empregado entre os dois adicionais. Assim,
se o obreiro já percebia o adicional de insalubridade, porém entende que a
percepção do adicional de periculosidade lhe será mais vantajosa, pode
requerê-lo, ou o contrário. O recebimento daquele adicional não é óbice para o
acolhimento do pedido de pagamento deste, na medida em que a lei veda apenas a
percepção cumulativa de ambos os adicionais. Todavia, nessa situação, a
condenação deve estar limitada ao pagamento de diferenças entre um e outro
adicional. Para a ressalva do Relator,
caberia o pagamento das duas verbas efetivamente diferenciadas (adicional de
periculosidade e o de insalubridade), à luz do art. 7º, XXIII, da CF, e do art.
11-b da Convenção 155 da OIT, por se tratar de fatores e, de principalmente,
verbas/parcelas manifestamente diferentes, não havendo bis in idem .
Recurso de revista conhecido e provido.(TST - RR: 6117006420095120028 611700-64.2009.5.12.0028, Relator: Mauricio
Godinho Delgado, Data de Julgamento: 26/06/2013, 3ª Turma)
Conclusão
A meu ver, o argumento mais
frágil desta discussão, é o que afirma que a cumulação seria um enriquecimento
sem causa do trabalhador, e a fragilidade deste argumento é obvia, uma vez que
se ele está exposto aos riscos que fundamentam o adicional de periculosidade, e
ainda aos agentes insalubres que fundamentam o adicional de insalubridade, nada
mais justo do que o recebimento pelos dois adicionais, que são distintos.
Quanto aos argumentos técnicos,
entendo que o direito tem de acompanhar a evolução da sociedade, que é dinâmica
e não pode ficar estagnada em leis antigas ou interesses econômicos de uma
pequena parte da sociedade.
Ressaltando ainda que a Dignidade
da Pessoa Humana deva ser respeitada com uma interpretação ampla, e não restritiva,
a exemplo do judiciário alemão.
Neste cenário, como o maior óbice
do judiciário para autorizar a cumulação dos adicionais, era em razão da
previsão de vedação expressa do legislador, entendo que com a convenção nº 155
da OIT, o judiciário tem o dever de aplicar a revogação do §2º do artigo 193 da
CLT.
Apenas ressalto, que por
segurança jurídica, e em respeito ao Princípio da Legalidade, entendo que os
efeitos desta revogação só podem ocorrer desde quando a convenção nº 155 da OIT
entrou em vigor no Brasil.
Referências Bibliográficas
TST - RR: 6117006420095120028
611700-64.2009.5.12.0028, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de
Julgamento: 26/06/2013, 3ª Turma
TST - RR: 1360003720095040751
136000-37.2009.5.04.0751, Relator: Maria de Assis Calsing, Data de
Julgamento: 22/05/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013
TST - RR: 13956020115120041
1395-60.2011.5.12.0041, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data
de Julgamento: 15/05/2013, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013
MAIOR, Jorge Luiz
Souto. Em Defesa da Ampliação da Competência
da Justiça do Trabalho. Revista LTR, Editora LTR, Ano 70, janeiro de 2006,
São Paulo, págs. 14-15
OLIVEIRA, Sebastião
Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do
Trabalhador. Editora LTR, São Paulo, 1998, pág. 287
FORMOLO, Fernando. A acumulação
dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Justiça do Trabalho.[S.I.]V.23,N.269,P.55,
2006
Convenção nº 155 da Organização
Internacional do Trabalho.
Norma Regulamentadora nª 15 da
portaria do Ministério do Trabalho nº 3.214/782.
Constituição da República
Federativa do Brasil